sábado, 26 de março de 2016

Viagem de barco

Amanhã vou fazer minha primeira viagem, e será de barco. Em grande estilo, vou singrar os mares de banham meu país. Conhecerei novas terras, e desbravarei o infinito, indo a onde nunca havia antes ido. Muito parecido com aqueles galãs da TV.
Domingo é normalmente um ótimo dia para mim, uma vez que trabalhando de segunda a sábado, o domingo é o meu dia de lazer.

Meu trabalho é muito importante para o Rio de Janeiro. Sou autônomo. Faço segurança privada para um estacionamento de um grande centro comercial do Rio. Sem meu trabalho, aquele estacionamento seria um caos. Chamam o shopping em que trabalho de Camelódromo da Uruguaiana, mas o nome correto é Mercado Popular do Centro. Ele reúne uma infinidade de pequenas lojas, de novos-ricos do grande Rio. Algumas lojas possuem tamanho duplo, e até triplo. Pertencem aos empresários mais bem-sucedidos.
O meu trabalho requer presença constante, uma vez que a concorrência é predatória. Cuido de quatro vagas, na rua Buenos Aires. É um emprego muito importante. Vários motoristas, clientes em potencial, me chamam de flanelinha, acho que é uma forma carinhosa de valorizarem o meu serviço. Eu busco oferecer um diferencial no que faço. Além de ajudar a estacionar, tomo conta dos carrões dos clientes e passo minha flanelinha nos vidros destes caros. Uso a mesma flanelinha desde que comecei ali, a mais de três anos. Visando qualidade, lavo-a uma vez por ano. Os motoristas, tentando reduzir o meu esforço de trabalho falam logo para eu não passar a flanelinha no carro deles. - Basta tomar conta do carro, eles ordenam. Mas eu faço questão de passar, se não como ficará a minha imagem de bom serviço.
Porem isto não interessa agora. O importante é que amanhã vou viajar de barco. O Bidu, o meu amigo mais rico, afinal ele cuida de sete vagas, me explicou tudo sobre a viagem. Será inesquecível.

É domingo. Acabo de acordar. O Bidu deu a dica de acordar cedinho, visando aproveitar bem o dia nesta viagem. Então foi o que fiz. São onze horas e dez minutos, e já estou me levantando. Espero realmente que venha a valer a pena este esforço para acordar tão cedo hoje. O café, já deixei pronto desde ontem à tarde. Está um pouco frio, mas acaba sendo mais fácil para bebê-lo.
Me visto. Estou muito contente.
Na sua recomendação, o Bidu me mandou pegar um ônibus para a Praça XV. Foi o que tentei fazer. Como não tinha um ônibus direto, peguei dois. Raiz da Serra – Madureira, e depois um Madureira – Castelo. Ao chegar ao castelo fui a pé até a Praça XV. Orgulhoso de mim, me dirigi ao posto de venda de bilhetes. Mostrei a identidade. O atendente foi logo falando que não necessitava da identidade.
Pensei: Caramba a alfândega daqui é bem moderna. Eles devem ter algum serviço de identificação de rostos. Estava tranquilo. Tinha feito a barba. Meu rosto estava assim, disponível para a tal pesquisa de identificação eletrônica.
Solicito um bilhete direto: É a minha primeira viagem de barco, e não quero ficar parando pelos outros estados. O atendente sorri, e responde, hoje só temos bilhetes diretos. Deve ser porque hoje é domingo, pensei eu. 
Fiz, também, questão de avisar que estava sem bagagem.
Pago o bilhete e pergunto: Quando é o embarque? 
Tentando impressionar, pergunto também: Para que portão devo me dirigir, visando fazer o check-in? Este é um termo que não tinha a certeza de que se ajustava corretamente, mas achei-o bonito, quando o ouvi em um jornal da TV que comentava que um dos principais problemas de uma viagem aérea, era o tal do check-in, que ainda era muito demorado. Mesmo que não se ajustasse bem a viagens de barco, ele saberia o sentido que eu estava passando, e pensaria que eu sou muito viajado de avião. 
O atendente ficou espantado com o meu brilhante questionamento, e com a minha irretocável pronúncia estrangeira, e foi logo falando, entre um riso e outro: É só se dirigir aquelas roletas, a sua direita.
Isso é que foi um check-in rápido, nada a ver com aquele das viagens de avião que o noticiário tinha comentado. Num piscar de olhos, estava dentro do salão de embarque.

terça-feira, 15 de março de 2016

Carro novo, enfim sou feliz

Durante anos economizei todos os meus trocados, para enfim aos 42 anos, comprar meu primeiro carro, e novo. Felicidade inenarrável.
Sete mil duzentos e vinte reais de entrada e vinte e quatro mil e seiscentos reais em suaves sessenta meses. Cinco anos, é pinto. Para um quarentão que espera chegar aos oitenta, isso passa muito rápido. Agora, enfim, sou gente. Tenho um carro novo.
Contrato fechado, fiquei de pegar meu carrão no dia seguinte. A noite parece uma eternidade. Minha mente só processa a imagem do carro. O sono desapareceu. As horas não passam. Que droga! Porque já não saí com ele da autorizada? Afinal ele já era meu, “todin meu”, só meu... Que felicidade.

O vendedor falou que era para emplacar, mas no fundo eu achava que o vendedor desejava apenas mais um dia para se despedir do meu carro. Ele era lindo. Era normal que o vendedor também estivesse apaixonado por ele. Mas que droga! Quero meu carro.
Seis da manhã. Estou pronto, vestido. Café? Que nada. O importante é pegar meu carro. A entrega estava marcada para as onze horas. Mas e daí se eu chegar um pouquinho antes. Meu relógio deveria estar atrasado. Era impossível ainda “ser apenas” seis horas de uma linda manhã.

Mal tinha passado das seis horas e quarenta e cinco minutos, e já estava na frente da autorizada. Estava fechada e deserta. Apenas um sonolento vigia transitava por lá.
-Relapsos! Eles sabiam que eu viria pegar meu veículo automotivo, meu possante, meu motorizado. Como?! Era inadmissível não haver ninguém na autorizada me esperando. Tinha que fazer uma reclamação para o dono. Será que ele sabe o horário de chegada dos seus funcionários? Quinze minutos para as sete e a concessionária ainda está vazia. Desta forma ele estaria perdendo inúmeros compradores em potencial. Eu ali, esperando o meu amor, mas imagina quantos não passavam por ali desejosos de comprarem o seu carrinho. Imagina só o prejuízo final dele. Inadmissível isto! Ele tinha que saber. E daqui a vinte anos, quando eu voltar para trocar por outro um pouco mais novo! A loja assim vai acabar falindo.